Quando chegava a casa ficava a pensar nas coisas, nos argumentos que podia usar. Era capaz de dizer vezes sem conta o quanto eu gostava disto ou daquilo, como me fazia falta, como ía estudar melhor, como ía ser uma criança tão mais feliz. [Sim, desde os 4/5 anos que o poder de argumentação já vivia dentro de mim.] Umas vezes calhava-me a sorte grande, outras não. E era quase tudo a ver com roupa e acessórios (ía lá perder o meu tempo a pedir bonecas!). Mas ainda me lembro como se fosse hoje das vezes em que, entre os 4 e os 8 anos, tive sorte: uns sapatos encarnados com um debruado a fio dourado (pirosos que doía a alma) vistos numa sapataria do Largo de Camões; um porta-chaves da bota Botilde visto no Largo do Camões quando o "1,2,3" estava no auge; uns óculos de sol vermelhos do Topo Gigio (a condizer com os sapatos, lá está); furar as orelhas, numa ourivesaria qualquer num Domingo de eleições para o presidente da república; uma mala de tiracolo, amor à primeira vista porque era perfeita e fofinha que só ela; outra mala de tiracolo, de couro como as pessoas crescidas usavam, amor à segunda vista comprada numa feira do Algarve e depois de regatear o preço com o senhor (o que ainda me valeu uma pulseira de búzios no pulso à borla).
Desses tempos guardo estas memórias, o poder de argumentação e os furos nas orelhas. A minha mãe encarregou-se de guardar as malas. <3